terça-feira, 24 de abril de 2012

" A Transferência" (S. Freud, Conf XXVII, Vol XI)


          No início do texto Freud discorre sobre os fatores determinantes do adoecer e os fatores que entram em jogo após o paciente ter adoecido e propõe a seguinte pergunta: “Dados esses fatores, onde residiria o papel transformador da análise?” Freud pontua, em primeiro lugar, a disposição hereditária, a qual já é estabelecida e por isso não pode ser modificado, impondo limites ao terapeuta. Em segundo as experiências da primeira infância do paciente que são de extrema importância à análise, mas por pertencerem ao passado, também não podem ser modificadas ou anuladas. E por ultimo a “frustração real” que diz respeito ao momento presente do paciente, todos as “infelicidades” decorrentes da vida, onde as experiências fogem a expectativa do sujeito.

Freud menciona que há uma ideia errônea sobre a terapia psicanalítica, que a toma por um tratamento que procura deixar o paciente sadio e vivendo uma vida sexual completa a partir do desprezo das barreiras éticas impostas pela sociedade. Algo que na verdade não é papel do tratamento, pois no conflito entre a libido e a repressão sexual nenhum dos dois deve prevalecer sobre o outro. Uma exceção é o caso do neurótico, “onde a tendência sexual suprimida acaba por encontrar uma vida através dos sintomas apresentados”. Por outro lado, se houver uma ascensão da sexualidade não haverá repressão sexual ou sintoma e assim pode-se observar que nenhuma das alternativas elimina o conflito interno. O analista não deve se tornar conselheiro ou orientador da vida de seu paciente e sim ajuda-lo a desvendar suas determinações inconscientes e leva-lo a tomar suas próprias decisões. O terapeuta não é reformador, mas um observador crítico e cabe ao paciente optar entre uma vida livre e uma vida de absoluto ascetismo. Assim, o que a terapia visa é a substituição do que está inconsciente pelo que é consciente; “suspendemos as repressões, removemos as precondições para a formação de conflito, transformamos o conflito patogênico em conflito normal”, a fim de encontrar uma solução. Freud introduz o conceito da terapia causal, que consiste em remover as causas dos sintomas e não o sintoma propriamente dito. A terapia psicanalítica propõe que a tarefa principal não é remover os sintomas e por isso não pode ser considerada uma terapia causal. “O que, pois, devemos fazer a fim de substituir o que é inconsciente, em nossos pacientes, por aquilo que é consciente?”. Primeiro acreditou-se que o analista deveria descobrir o material inconsciente e comunica-lo ao paciente, o que mostrou-se ineficaz, já que o paciente não compreende o conteúdo da mesma forma que o analista. Posteriormente, observou-se que se deve encontrar na memória do paciente o lugar onde o material se tornou inconsciente, através da remoção da repressão. Isto é feito a partir da busca da repressão, removendo a resistência que a mantém. Esta é provocada por uma anticatexia e é um mecanismo de defesa do ego. A partir desse processo consegue-se reviver o conflito antigo e assim revisar o processo de repressão, conduzindo-o a um melhor resultado, por conta de uma fortificação do ego.
            Durante esse tratamento, surge no paciente um interesse especial pela pessoa do médico, tornando-o mais importante do que seus próprios assuntos. Nesse momento, a análise faz progressos, já que o paciente se deixa absorver pelas tarefas que o tratamento lhe propõe. Porém, as dificuldades também podem aparecer (as resistências) e o paciente se mostra desinteressado no tratamento, fator que deve ser reconhecido como um fenômeno ligado a natureza da doença, e não apenas uma perturbação. Isso ocorre, pois o paciente transfere para o médico intensos sentimentos de afeição, incluindo uma supervalorização da pessoa-médico, uma absorção de seus interesses, ciúmes, etc. Esse fenômeno é nomeado como transferência, o paciente transfere sentimentos ao analista, que não podem ser justificados pelo tratamento, já que estes sentimentos já estavam preparados no paciente que se tornam evidentes na analise.
            A transferência é o principal motor da análise, ela é o terreno em que se dá o tratamento psicanalítico, é no campo da transferência, na sua instalação, nas suas diferentes formas, na sua interpretação e na sua resolução que ocorre o tratamento feito pela psicanálise¹. A transferência pode ser tanto positiva (sentimentos afetuosos, de admiração, etc.) quanto negativa (sentimentos hostis, de raiva). Entretanto quando se transforma em resistência, necessita de especial atenção, pois modifica a relação do paciente com o tratamento e assinala a proximidade do conflito inconsciente. Isto ocorre quando se expressa na forma de inclinação amorosa, pois a necessidade sexual provoca uma oposição interna, ou se consiste em impulsos não afetuosos (o que é mais comum no caso de pacientes homens).
            Frente a isso, o terapeuta deve mostrar ao paciente que esses sentimentos não são originados no tratamento, e não se aplicam ao médico, mas que são uma repetição de algo que lhe aconteceu anteriormente. Desse modo, a transferência que parecia constituir uma ameaça ao tratamento, torna-se seu principal aliado.
            O mecanismo da transferência só se manifesta na histeria, histeria de angustia, e neurose obsessiva, denominadas como neuroses de transferência. A tendência de transferência dos neuróticos é um aumento da capacidade de dirigir catexias libidinais das pessoas normais. Aqueles que possuem neuroses narcísicas não tem capacidade para a transferência, ou apenas possuem traços insuficientes da mesma. Suas catexias objetais devem ter sido abandonadas, e sua libido objetal, deve ter se transformado em libido do ego, e são inacessíveis aos esforços do analista.
¹   "Vocabulário da Psicanálise. Laplanche e Pontalis", 1982, editora Martins Fontes


   Elaborado pela equipe de monitores de psicanálise da PUC-SP

Um comentário:

  1. Obrigado ! Foi muito valioso para orientar meus estudos para as avaliações em psicanálise 3.

    ResponderExcluir