domingo, 25 de novembro de 2012

Resumo do texto “Édipo e Teoria da Constituição do Sujeito” in “Édipo 3 x 4”, Franklin Goldgrub


A principal função inicial, e ainda considerada por muitos, do constructo teórico do complexo de Édipo é a de descrever o processo de formação sexual e os conflitos decorrentes da ligação entre a criança e as figuras parentais.
Freud busca explicar os distúrbios sexuais, em um primeiro momento, a partir da teoria do trauma/sedução. Essa teoria é revogada cedendo espaço para o inicial conceito de identificação, conceito esse que serviria de base para a primeira versão do complexo de Édipo. Aqui, a identificação seria o processo de assemelhação aos modelos adultos, do que decorre o fato de que esse modelo se baseava em um referencial heterossexual e tinha como pressuposto o desejo sexual enquanto imitação do padrão experimentado pela criança através dos pais.
As primeiras elaborações acerca do Édipo traziam a ideia de uma possível dissolução do mesmo, hipótese substituída mais tarde pela ideia de permanência, já que persistiria enquanto o desejo de completude impossível de ser alcançado (“rochedo da castração").
Até a segunda teoria das pulsões (na qual surge o conceito da “pulsão de morte”) e conforme as primeiras versões do complexo de Édipo, a não dissolução acarretaria nas perversões e nas neuroses, enquanto que sua sucumbência representaria o caminho para a “normalidade”.
Ainda nessa primeira concepção, a identificação resultaria em uma rivalidade com a figura parental de mesmo sexo, o que originaria a escolha de objeto heterossexual na puberdade.
A partir do caso do Pequeno Hans e das reflexões sobre o imaginário infantil, Freud elabora a noção da fase fálica que é, posteriormente, relacionada ao complexo de Édipo. Nesse momento, as diferenças entre meninos e meninas e suas respectivas vivências afetivas são recolocadas como fundamentais e o órgão masculino passa a ser valorizado, enquanto que o feminino passa a representar a falta.
Tem-se, pois, uma nova versão do Édipo, segundo a qual as recordações infantis são fruto das expectativas afetivas da criança na busca do amor incondicional. Os obstáculos postos frente a essa busca remetem à figura paterna. Para a menina, trata-se de uma decepção e para os meninos, trata-se de uma rivalidade. A partir dessa diferença, o superego feminino não seria tão severo como o do menino. Assim, a menina entraria no Édipo ao aceitar a diferença anatômica. Ela aceita a castração como castigo já recebido e então troca de objeto de desejo. Voltando-se ao pai, a menina novamente se frustra, porém recebe em contrapartida o modelo de homem e a promeça de um bebê como uma indenização pela ausência do pênis (perspectiva levantada em “Algumas Consequências Psíquicas da Distinção Anatômica dos Sexos”).
Essa ideia é alterada no texto "Feminilidade", no qual Freud reconhece a intensidade do vínculo da menina com a figura materna, abrindo espaço para a conceituação da homossexualidade feminina através da "reivindicação fálica", assumindo a existência da fase pré-edipiana. Nesse sentido, há a primazia do falo que se torna ponto central da concepção
freudiana do complexo de Édipo. A referência fálica é que dá ao Édipo um caráter estrutural que se choca com as noções de regressão e fixação, dada a sua atemporalidade.
A tese da primazia do falo coloca a mulher em uma posição de inferioridade, numa tese de desvalorização do feminino, numa hierarquização da relação masculino e feminino. Também se encontra limitação para teorizar acerca da homossexualidade. Quanto à nosografia, a desvalorização da condição feminina implicaria em assumir que existiria uma maior abundância de conflitos nas mulheres. Além disso, a afirmação de que superego seria menos rígido restaria incompatível com a noção de que a depressão seria fruto de um superego severo demais.
Com efeito, coloca-se em questão a universalidade da "inveja do pênis" e do "medo à castração" e, por consequência, se a função do complexo de Édipo seria, efetivamente, de descrever o processo de construção de identidade de gênero ou se diria respeito à constituição do sujeito de uma forma mais ampla.

As expectativas inconscientes e a identificação

A noção da universalidade da supremacia do falo, que leva a hierarquização entre os genêros, foi construída por Freud através de uma generalização a partir da sua clínica. Essa concepção resultaria em dizer que as fantasias femininas e masculinas seriam, por sua vez, igualmente diferentes, afirmação que as coloca como subordinadas a um critério biológico. Essa generalização é problemática pois exclui a singularidade intrínseca às estruturas familiares, aos modelos diferentes de cultura e sociedade, enfim, ela desconsidera toda a pluralidade e especificidade de cada existência humana. Isso inclusive com relação ao gênero, sendo que até cada pai e mãe podem ser diferentes com cada um de seus filhos.
Assim, diante dessas incongruências também é possível questionar as representações associadas ao feminino (provedor do amor incondicional ou marcado pela ausência de poder) e ao masculino (interditor, efetivador das normas e fonte de poder). Com efeito, a suposição de que o poder da família se concentraria nas mãos do homem resta ineficiente diante da enorme gama de possibilidades e variedade das configurações conjugais.
Apesar das críticas levantadas, tendo em vista as limitações do seu tempo, a descrição elaborada por Freud inaugura uma percepção que caminha no sentido oposto ao da generalização e, por isso, tem seu valor fundamental.
O campo das fantasias originárias e das teorias sexuais infantis possibilitam um olhar para um âmbito mais abstrato, que não se resume às explicações empíricas, biológicas ou culturais tão somente.

O édipo estrutural

A criança é inserida no universo da falta a partir da aquisição da linguagem, que é concomitante à constituição do eu. Nesse primeiro momento do Édipo a criança ainda não internalizou as regras, isto é, o superego ainda não está constituído. O superego se caracteriza pelo reconhecimento do desejo do outro.
No princípio do Édipo, a criança ocupa a posição de sujeito absoluto que se caracteriza pelo não reconhecimento do desejo do outro, ou seja, pela rejeição aos limites. Há, pois, a recusa da falta que é inerente ao desejo. Põe-se então um embate entre a não aceitação dos limites e o seu gradativo reconhecimento, tendo em vista os obstáculos impostos pelo próprio convívio humano (pais, outras crianças e circunstâncias, etc).
Para que se possa explicar a emergência do superego é preciso novamente atentar para o conceito de identificação. Porém, aqui a identificação será entendida como o mecanismo através do qual se dá a construção de um jeito singular de lidar com a falta. A identificação é um discurso desejante que se dá a partir do lugar atribuído pelos pais ao bebê, por meio de suas expectativas inconscientes. Nesse sentido, a construção da identidade de gênero é mais uma das facetas da constituição do sujeito e está, também, subordinada às expectaticas inconscientes das figuras parentais.
A perspectiva da identificação enquanto reprodução de modelos remete à consciência, enquanto que a ideia de “expectativas inconscientes” remete, como o próprio nome indica, ao inconsciente. Essa última concepção permitiria compreender porque as crianças não precisariam de modelos concretos na sua constituição de identidade (crianças criadas só por mulheres e que formam identidades masculinas, por exemplo), assim como poderia esclarecer o mistério acerca da homossexualidade e desconstruir a ideia de que um casal homossexual promoveria filhos com a mesma opção sexual.
Enfim, afirmar que o processo de constituição da identidade é fruto do lugar no qual a criança é inserida em certo discurso, isto é, é submisso às expectativas inconscientes das figuras parentais, significa dizer que esse processo é independente de fatores biológicos e culturais.

Perspectivas e impasses de “Feminilidade”

No texto em questão, Freud conceitua a feminilidade a partir da “inveja do pênis”. Porém, ao longo de sua obra verificam-se contradições entre a concepção contaminada pela material investigado e críticas sobre a associação entre o feminino e passividade e o masculino e atividade.
Uma dessas contradições se vê em “Conferências Introdutórias à Psicanálise”, na qual Freud afirma que “à libido não podemos atribuir nenhum sexo”. Essa afirmação desdiz as postulações derivadas da ideia de consequências das diferenças anatômicas, pois exclui os fatores biológicos quanto à sexualidade. No mesmo sentido, o conceito de “inveja do pênis” também é questionável, pois não haveria como dizer, se a libido é única, que as fantasias seriam ou femininas ou masculinas. O conceito de “libido agenérica” serviria de base para a tese da bissexualidade originária. Outrossim, essa tese introduz a concepção de que a sexualidade está inserida no âmbito do prazer/desprazer, que é mais amplo e diz respeito a qualquer relação objetal “fazendo de qualquer demanda (atração ou repulsa) a metáfora (ou seja, concretização) do discurso desejante.”
Cabe ressaltar ainda que a homossexualidade feminina exposta em “Feminilidade” não pode ser transposta para o gênero masculino e também que se a histeria feminina decorresse da “inveja do pênis” não haveria como se explicar a histeria masculina.
Lacan contribui fortemente com a distinção entre pênis e falo. Essa distinção havia sido feita por Freud, mas fora deixada de lado com o advento da desvalorização do genital feminino. O falo, para Lacan, seria o objeto colocado no lugar da superação da falta. Porém, também em Lacan, a referida distinção se perdera frente a primazia das diferenças anatômicas e a associação entre a função paterna à virilidade. Com efeito, tanto as distinções entre as identidades, quanto entre as formas de prazer, revelam a concepção lacaniana de uma lógica diferente para os gêneros.
Lévi-Strauss, por sua vez, não diferencia os gêneros e interpreta o mito do complexo de Édipo como uma metáfora do surgimento da Lei, operando, assim, igualmente entre homens e mulheres, feminino e masculino.

Os Obstáculos à concepção estrutural do Édipo

Os maiores obstáculos a uma concepção estrutural do complexo de Édipo são, porventura, a relação entre o mesmo e a biologia e a cultura. A psicanálise, ao longo de sua história, tem estado às voltas com essa questão.
Lacan, em sua teorização acerca do Édipo, promoveu avanços no sentido de libertar a psicanálise desses óbices, com sua afirmação de que o inconsciente se equipararia à linguagem, se estruturaria como linguagem. Porém, ele mesmo persistiu na distinção entre os gêneros.
A teoria da constituição do sujeito que considera que inconsciente e linguagem são frutos da mesma matéria, isto é, são consubstancias, precisa atentar para os quadros nosográficos tais como autismo e esquizofrenia infantil, uma vez que eles são essenciais para a compreensão do conjunto de fatores envolvidos no referido processo. Além disso, não se pode deixar de lado questões acerca da aquisição da linguagem e da diferença entre essa e a comunicação.
De fato, a nosografia demonstra que as patologias e os conflitos, tanto quanto a sublimação, manifestam-se igualmente entre os sexos. Assim, permanece aberto o debate sobre se as teorias acerca da sexualidade infantil justificam os conceitos “medo à castração” e “inveja do pênis”.
Em contrapartida, uma teoria baseada nos efeitos da linguagem no que concerne à constituição do sujeito possibilitaria a compreensão do sentido das fantasias sexuais infantis. Enfim, as variações das configurações familiares, a ausência de uma das figuras parentais, assim como a questão das crianças institucionalizadas e das diferentes estruturas sociais afastam a noção de que o processo do complexo de Édipo estaria sujeito às diferenças de gênero, biológicas e culturais. Ao contrário, os protagonistas familiares e institucionais metaforizam o campo desejante e o campo normativo, seja quem ou de que gênero eles forem.
Quanto à fase pré-edipiana, ela pode ser considerada, tanto no menino quanto na menina – diferentemente do postulado por Freud -, como dois momentos do Édipo. O primeiro se caracterizaria pelo conflito entre o desejo de completude e o campo normativo no pólo oposto. Dessa forma, o início da fase fálica seria a expressão do conflito dos adultos, que revelariam a dificuldade deles de lidar com a separação inerente ao desenvolvimento da criança. O segundo momento, concomitante à identificação sexual, seria quando a ideia de poder não ser faltante é revogada e dessa forma tem início o processo de identificação com a posição de sujeito.
Nesse sentido, a condição sexuada metaforiza a falta por ter como pressuposto a existência de um objeto de desejo. Diferentemente, Freud atribui essa constatação (queda do sujeito absoluto) ao momento em que se nota a diferença anatômica entre os sexos.
O processo acima descrito é concomitante ao surgimento do superego, uma vez que ele é o representante da aceitação do outro, isto é, de que o objeto de desejo é, por sua vez, desejante.
De acordo com o exposto, a psicose infantil aconteceria diante da impossibilidade de anuir com a linguagem, incluindo a comunicação, mas não a linguagem. Já o autismo se instauraria a partir da impossibilidade de saída da indiferenciação em direção à posição de objeto. Cabe a ressalva de que é difícil se encontrar esquizofrenia e autismos “puros”. A concepção psicanalítica da psicose se baseia na ideia de que o recalque primário não tenha operado, enquanto que na perversão e na neurose as falhas estariam no recalque secundário.



Preparado por Camila Gerassi da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Resumo: “Dissolução do Complexo de Édipo” – 1924

Inicialmente, Freud afirma que o Complexo de Édipo é um importante fenômeno central do período da primeira infância e que, após isso, é efetuada sua dissolução seguida do período de latência. Isso ocorre devido a experiências de desapontamentos penosos associados à fase genital, ameaças, castração e à constituição do superego.
Isso ocorre porque, no caso da menina, há a necessidade de considerar-se como aquilo que o pai ama acima de tudo, porém, sofre uma dura punição por parte dele. No caso do menino, há a descoberta de que a mãe, sua prioridade, transferiu seu amor a um recém-chegado. Com isso, a ausência da satisfação esperada faz com que o sujeito não tenha esperanças e, desse modo, encaminhe o Complexo de Édipo para a destruição devido a falta de sucesso.
Outra possibilidade explicada por Freud é a de que o fim do Complexo de Édipo é um fenômeno determinado pela hereditariedade, como uma passagem necessária em que chegou a hora da sua desintegração, sendo predeterminada do desenvolvimento.
Freud não garante, entretanto, a uniformidade da sequência temporal e o encadeamento dos processos citados e faz uma afirmação relevante: a dissolução do complexo seria um desfecho ideal, enquanto que a simples repressão do mesmo teria por consequência a patologia.
Postas as duas concepções, o autor indica que ambas são fundamentadas, mas não incompatíveis entre si. Dessa forma, haveria espaço tanto para a concepção filogenética, quanto para a ontogênica.
                  Freud segue afirmando que o desenvolvimento sexual da criança avança até o momento em que o órgão genital masculino assume o papel principal, uma vez que o órgão genital feminino permanece irrevelado. Esse período é marcado pela fase fálica onde a castração se faz presente. É seguida pelo período de latência.
                  A castração ocorre quando a criança reconhece seu órgão genial e manipula-o, fazendo com que os adultos reprovem tal comportamento. A partir dai, começam as ameaças, onde os pais afirmam para as crianças que aquele órgão tão desejado por elas poderá ser tirado. Há a ideia simbólica de culpar à mão por estar fazendo aquilo ou por culpar os meninos de molharem suas camas todas as noites.
                  A organização genital fálica teria fim frente à ameaça de castração. O que ocorre é que o menino não acredita na ameaça e, com isso, duas coisas importantes preparam as crianças para perdas de partes do corpo. Elas seriam a retirada do seio materno e a exigência de soltarem conteúdos de seus intestinos.
Com efeito, o complexo de Édipo oferece ao menino duas alternativas para a obtenção de sua satisfação. Em ambos os casos a possibilidade de castração acarretaria na incapacidade de obtê-la. Dada a inviabilidade da obtenção de satisfação a partir do complexo de Édipo, há um conflito entre o interesse narcísico referente ao pênis e o investimento libidinal dos objetos parentais, conflito o qual é vencido, geralmente, pela primeira dessas forças, o que resulta no afastamento do Ego do complexo de Édipo. O que ocorre em seguida é uma troca, pois os investimentos objetais da criança frente os seus pais são substituídos pela identificação.
O complexo de Édipo nas meninas também passa pelo complexo de castração e por uma organização fálica, mas ocorre de maneira diferente daquela dos meninos. A principal diferença entre o menino e a menina, no que diz respeito à castração, é que a menina acredita já ter tido um órgão como o do menino, o qual já foi perdido. Isso ocorre quando ela tem visão da região genital feminina e fica indignada ao perceber a ausência do pênis numa criatura tão semelhante a um menino assim.
 Deste modo, as meninas aceitariam a castração como fato consumado, não havendo o temor da castração como nos meninos, mas sim o temor à perda do amor. O complexo de Édipo para ela culminaria no desejo de receber um filho do pai, desejo que uma vez não concretizado, resultaria na dissolução do complexo. Os desejos de ter um pênis e um filho permanecem investidos no inconsciente da garota, criando espaço para a preparação de seu papel sexual futuro.
                  É iniciado o período de latência, onde a autoridade dos pais é introjetada no ego, formando o núcleo do superego da criança. Isso porque o superego se caracteriza como a instância psíquica que mantém a repressão e proibição do incesto, protegendo o Ego contra o retorno do investimento libidinal a objeto proibido.
Para as meninas, há uma interpretação a cerca do fato dela sempre achar que teve um pênis, uma vez que seu clitóris comportava-se exatamente como um. Ao brincar com uma criança do sexo oposto, a menina percebe a injustiça e a inferioridade por não ter um órgão genital masculino. Desse modo, a menina entende a castração como um fato consumado, diferente do menino que tem medo da possibilidade de sua ocorrência.
Freud aponta que a motivação para a construção do superego e a demolição da organização genital infantil estaria mais ligada à educação, à intimidação externa, “que ameaça com ausência de amor.” Os desejos de possuir um pênis e ter um filho com o pai jamais se realizarão e, por isso, permanecerão catexizados no inconsciente dela, preparando-a para seu papel futuro.
Nesse sentido, o complexo de Édipo implica na existência de uma organização fálica infantil sendo universal a ameaça de castração que resultará na sua dissolução, no período de latência e na formação de um Superego.


Preparado por Camila Gerassi e Pedro Márky da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.


Considerações sobre os Verbetes do Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis – “Princípio do Prazer, de Realidade, do Nirvana”



Princípio do Prazer: princípio que descreve o fato de a atividade psíquica ter por objetivo evitar o desprazer e proporcionar o prazer. Desprazer é entendido como a percepção, por parte do sistema perceptivo-consciente, do aumento de tensão interna. Prazer seria a volta a um nível baixo de tensão, atingido na satisfação de desejos (por meio de vivências de satisfação ou de sonhos, por exemplo). Assim, o Princípio do Prazer está relacionado com o Princípio da Constância (que representa a tendência do aparelho psíquico em manter constante o nível de tensão), ora se aproximando, ora se distanciando desse ao longo da teoria.
De início, as pulsões só procurariam descarregar-se, satisfazer-se pelos caminhos mais curtos (Princípio do Prazer). Com o desenvolvimento do sujeito, modicam-se pelo Princípio da Realidade.
Princípio da Realidade: modifica o princípio do prazer, impondo-se como regulador, fazendo com que a busca de satisfação sofra desvios e adie seu resultado. Sua instauração corresponde a uma série de adaptações que o aparelho psíquico tem de sofrer a fim de desenvolver funções da consciência, como atenção, juízo, memória e pensamento.
“Por um lado, o Princípio da Realidade garante a obtenção das satisfações no real e, por outro, o Princípio do Prazer continua a reinar” no campo das fantasias e dos processos inconscientes.
O Princípio da Realidade explica o funcionamento das pulsões de auto-conservação (pulsões do eu). Estas são levadas a reconhecer o domínio do Princípio da Realidade, enquanto as pulsões sexuais “se educam [se submetem a ele] com atraso e sempre de modo imperfeito”.
(há, contud0, contradições e embates teóricos relacionados ao início da manifestações de cada princípio no desenvolvimento do sujeito. Ver página 369 do vocabulário.)
Princípio de Nirvana: princípio que designa a tendência de o aparelho psíquico levar a zero o nível de tensão. Advém da religião budista, onde designa a “extinção” do desejo humano, o aniquilamento da individualidade, um estado de quietude e de felicidade perfeita. Exprime a tendência da pulsão de morte, sugerindo uma ligação profunda entre a busca do prazer (desprazer) e o aniquilamento.

Realizado pelo aluno Mario Otero Filho, da Equipe de Monitores de Psicanálise do Curso de Psicologia da PUC/SP.

"Ansiedade e Vida Pulsional" (Sigmund Freud, Conferência XXXII, Vol. XXII, 1933)

Ansiedade e vida instintual (S. Freud, Conf. XXXII, vol. XXII, 1933)
Nesta conferência, Freud descreve a ansiedade[1] como um estado afetivo, que seria uma combinação de certos sentimentos da série prazer-desprazer, mas, ao mesmo tempo, teria como protótipo a primeira experiência de ansiedade. Segundo Freud, essa experiência é o nascimento, e chama essa primeira ansiedade de tóxica. Logo em seguida, Freud aponta para a possibilidade de distinguir a ansiedade realística da neurótica. Enquanto a realística parece propositada, uma vez que seria precipitada por um perigo, a neurótica permanecia enigmática.
Enquanto a ansiedade realística poderia ser reduzida a um estado de atenção produzido pelo sinal de perigo, preparando assim uma reação de fuga ou defesa; já a ansiedade neurótica seria observada em três situações. A primeira delas é na forma livremente flutuante, que seria a ansiedade expectante. A segunda seria encontrada nas fobias, em que é possível perceber uma vinculação com um perigo externo, mas o medo seria exagerado. E a terceira, que seria a ansiedade na histeria e em outras formas de neurose grave.
Segundo Freud, a experiência clínica revelou que a ansiedade expectante estaria relacionada à economia libidinal da vida sexual. Assim, a causa mais comum da neurose de angústia seria a excitação não consumada, ou seja, uma excitação libidinal não satisfeita, de forma que o estado de apreensão surgiria no lugar dessa libido que foi desviada de sua utilização. Para Freud, tanto as fobias infantis como a ansiedade expectante da neurose de angústia teriam origem numa transformação direta da libido. A ansiedade na histeria e em outras neuroses, entretanto, seria consequência do recalque.
O recalque atua sobre uma representação, entretanto existe uma quota de afeto que estava ligada a essa representação, e que é transformada em ansiedade. Assim, uma quota de libido se tornou não-utilizável, seja por uma debilidade infantil do ego, como nas fobias infantis, ou por processos somáticos da vida sexual, na neurose de angústia, ou devido ao recalque, como na histeria.
Para Freud, a ansiedade neurótica será produto de um medo da própria libido. Assim, por exemplo na fobia, observa-se a ação do mecanismo de deslocamento, uma vez que um perigo interno é transformado num perigo externo, de forma que, aparentemente, observa-se uma ansiedade realística, mas que na verdade tem origem na vida pulsional[2].
A mudança de uma primeira teoria da ansiedade para uma segunda, refere-se especialmente à constatação de que a ansiedade não é produto do recalque, mas que a ansiedade causaria o recalque. Tal como Freud havia anunciado que a ansiedade seria consequência de uma situação de perigo, aqui também ele afirma que, quando um menino abandona a mãe como escolha objetal, isso se daria por conta de uma experiência de ansiedade, que seria o medo de ser castrado. Assim, o que produziria o recalque seria o temor da castração. De acordo com Freud, a castração não é o único perigo que poderia ser motivo para o recalque. Há um estádio de imaturidade do ego em que haveria um medo da perda do amor. Já na fase fálica haveria o medo de ser castrado. E, mais tarde, um temor do superego, que seria uma ansiedade moral. Assim, na segunda teoria da ansiedade, além de afirmar que a ansiedade faz o recalque, também atribui à situação pulsional temida uma situação de perigo externa.
De acordo com Freud, o ego perceberia a experiência de satisfação pulsional como possibilidade de recriação de uma situação de perigo. Por conta disso, esse investimento pulsional precisa ser abandonado. Se o ego é forte, ele atrai o impulso para si. Mas, caso o impulso ainda pertença ao id, e o ego se sinta fraco, ele pode utilizar da ansiedade para produzir uma experiência de desprazer, e considerando o funcionamento primário do inconsciente no princípio de prazer-desprazer, então haveria a instalação do recalque dessa pulsão.
Freud também esclarece que haveria duas fases anteriores à fase fálica, que são a fase oral e a fase sádico-anal. Haveria, na primeira fase (a fase oral), a questão de uma incorporação oral. Já na fase sádico-anal apareceriam as tendências destrutivas e as tendências afetuosas em relação ao objeto, sendo as primeiras de destruir e perder, e as segundas de manter e possuir. Segundo Freud, existe uma relação entre as disposições na evolução da libido, e o desenvolvimento das neuroses.
Também há, nesta conferência, uma mudança da primeira teoria das pulsões para a segunda. Freud utiliza o termo ‘Trieb’ [pulsão] para nomear uma quantidade de energia que faz pressão em uma determinada direção, que tem origem numa excitação do corpo, e sua finalidade é a remoção dessa excitação.
Havia, anteriormente, uma distinção entre as pulsões egóicas e pulsões sexuais. Entretanto, com o estudo do narcisismo, essa distinção se tornou desnecessária, uma vez que o ego pode tomar a si mesmo como objeto. Freud inclusive afirma que o ego é sempre o principal reservatório de libido. A libido do ego é constantemente transformada em libido objetal, e a libido objetal, em libido do ego. A hipótese de Freud, portanto, na segunda teoria das pulsões, é que haveria duas classes de pulsões: as pulsões de vida e as pulsões de morte.
Segundo Freud, é possível observar que há pessoas cujas vidas se repetem, muitas vezes prejudicando-as, como se estivessem perseguidas por um ‘destino implacável’. Freud atenta para o fato de que essas pessoas, sem se aperceberem, causam a si mesmas esse destino. Na análise também é observado a reprodução de experiências infantis recalcadas, que são melhor explicadas por uma ‘compulsão à repetição’. Esta triunfaria sobre o princípio de prazer, expressando a natureza conservadora da vida pulsional. A distinção entre as pulsões de vida e de morte, seria que a primeira visaria à combinação da substância viva, enquanto a pulsão de morte estaria vinculada a uma tendência para o retorno ao inorgânico. A compulsão à repetição seria uma consequência da ação da pulsão de morte.
Um dos obstáculos para a análise é uma necessidade de punição, que Freud classifica como um desejo masoquista, vinculado ao sentimento inconsciente de culpa. Este certamente pode ser vinculado a um desejo de autodestruição, que Freud remonta à pulsão de morte. Entretanto, quando as pulsões eróticas (pulsão de vida) se encontram fundidas com as pulsões agressivas (pulsão de morte), então essas manifestações de sadismo e masoquismo podem ser atenuadas, condição necessária à civilização.

Elaborado por Eduardo Zaidan,
da equipe de monitores de Psicanálise da PUC-SP.





[1] O termo utilizado por Freud é Angst. Segundo Luiz Hanns, no Dicionário comentado do alemão de Freud, o termo Angst é um dos mais polêmicos entre os tradutores de Freud. De acordo com Hanns, as traduções francesas e espanholas tendem a privilegiar a tradução de Angst para “angústia”, enquanto as inglesas para “ansiedade”. Utilizei no resumo “ansiedade”, uma vez que é o termo empregado pela edição da Imago, dada sua ascendência inglesa. Entretanto, recomendamos o termo “angústia” como melhor tradução para Angst, apesar de ter respeitado, na composição deste resumo, a tradução da edição utilizada.
[2] Na obra de Freud, os termos Instinkt e Trieb são utilizados para abarcar fenômenos distintos. Apesar da diferença entre estes dois termos, a edição da Imago condensou ambos no termo “instinto”, omitindo essa diferença. Segundo Paulo César de Souza, em As palavras de Freud, “passou-se a ver no termo ‘pulsão’ o conceito freudiano por excelência, aquele que define o humano-simbólico, objeto da psicanálise, por oposição ao instintivo-animal, objeto da biologia”. Apesar da edição da Imago ter traduzido tanto Instinkt como Trieb para instinto, utilizaremos pulsão como tradução alternativa para Trieb, uma vez que acreditamos que seja uma tradução mais adequada para o termo Trieb

sábado, 3 de novembro de 2012

Resumo: Verbetes do Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis - “Complexo de Édipo”



O complexo de Édipo tem seu auge entre o terceiro e quinto ano de vida da criança, período concomitante à fase fálica. Sua sucumbência marca o início da fase de latência. Tem como função estrutural a formação da personalidade e o direcionamento do desejo humano. Na perspectiva clínica, ele representa o centro referencial das psicopatologias e na perspectiva da antropologia, o referido processo é apontado como universal. O complexo de Édipo seria a representação da criança na relação triângular estabelecida com os cuidadores.

A elaboração do complexo de Édipo sofreu mudanças ao longo da obra de Freud. Uma das alterações foi com relação à ideia de que o modelo utilizado para o menino equivaleria ao processo vivido pela menina, o que foi reelaborado. Além disso, considerações acerca da fase pré-edipiana também foram aspectos debatidos no âmbito da psicanálise.

Freud atribui três funções fundamentais ao desencadeamento do complexo de Édipo, quais sejam:
a) A escolha do objeto de amor, visto que as escolhas objetais efetuadas na puberdade são marcadas pelos investimentos de objeto, pela interdição do incesto e pelas identificações referentes ao período edípico.
b) Acesso à genitalidade, pois o complexo de Édipo, quando resolvido por meio do processo de identificação que dele deriva, permite a primazia do falo.
c) Estruturação da personalidade por meio da constituição das três instâncias do aparelho psíquico: id, ego e superego.

Freud ressalta a necessidade de que o complexo seja não apenas recalcado, mas destruído para que o indivíduo entre no período de latência. Nesse sentido, o processo não ocorre de maneira efetiva sem a sua sucumbência pois o ego permanecerua no id em estado inconsciente, o que mais tarde se manifestaria através de uma patologia. Essa dissolução se dá de maneira distinta entre os meninos, que sucumbem à ameaça de castração fornecida pelo pai e renunciam o objeto incestuoso e as meninas, que, por outro lado, são introduzidas ao Édipo a partir da castração e apenas renunciam ao pênis quando o compensam com outro objeto de desejo, um eventual filho.

O complexo de Édipo ainda é relacionado ao mito do Totem e Tabu, na medida em que esse seria a fonte de uma instância interditória primária necessária ao estabelecimento da cultura. Assim, fica evidente que, para Freud, o complexo de Édipo possui um caráter fundamental.


Preparado por Camila Gerassi e Pedro Márky da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.